terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Gerente ou Gestão?

É provável que este seja o último post de 2011 e vamos termina-lo com dois textos polêmicos. Este será o segundo. Ontem estava discutindo com um amigo de projeto sobre o meu último post. Com argumentos interessantes, ele discordava do meu ponto de vista e eu, com meus argumentos, tentava defender o que havia escrito. Como ele cresceu profissionalmente dentro de uma empresa de grande rigidez hierárquica, em um modelo tradicional, argumentei que esse seria o motivo principal para que ele discordasse das idéias que estava expondo. Bem, ele ficou em silêncio refletindo e a discussão (bem sadia, deixo frisado) foi acabando. Hoje, após o almoço, ele me mostrou um artigo que corrobora com o modelo de gestão em que acredito, que saiu em uma das revistas mais tradicionais do mundo, a Havard Business Review. É sobre a minha interpretação deste texto que escreverei aqui.

Destaco que o texto é uma ode ao modelo de gestão baseado no lean, aproximando-se bastante do TPS. Pela descrição do autor, Gary Hamel, o modelo de gestão adotado na Morning Star Company, visa uma gestão que poderíamos chamar de coletiva, onde
as hierarquias são de influência, não de posição, e são erguidas de baixo para cima. Na Morning Star a pessoa acumula autoridade ao demonstrar conhecimento, ajudar colegas e agregar valor. Se deixar de fazer isso tudo, sua influência diminui — e seu salário também.
Com este modelo, as divergências tendem a ser menores, já que os líderes emergem dos times, devido unicamente a sua competencia e fluência no valor que é gerado pela empresa, não devido designação de cima que, em muitos casos, tem um objetivo político.

De forma brilhante, Hamel diz:
Somos, todos, prisioneiros do que é conhecido. Muitas coisas — o primeiro iPhone, o mundo de magia de J.K. Rowling, o vestido de carne de Lady Gaga — eram difíceis de imaginar até toparmos com elas. Também é assim com organizações. É difícil imaginar uma empresa na qual…
  • Ninguém tem chefe. 
  • Cada trabalhador negocia responsabilidades com os colegas. 
  • Qualquer um pode gastar dinheiro da empresa. 
  • Todo indivíduo é responsável pela aquisição das ferramentas necessárias ao desempenho de suas funções. 
  • Não há cargos nem promoções. 
  • Decisões salariais são tomadas pelos pares.
E continua, deixando claro o objeto de estudo não é a uma nanica do mundo corporativo, mas sim
...estas são características singulares de uma empresa de grande porte e uso intensivo de capital cujas gigantescas fábricas consomem centenas de toneladas de matéria-prima por hora, na qual dezenas de processos precisam ser mantidos dentro de rígidos limites e na qual 400 trabalhadores em tempo integral produzem mais de US$ 700 milhões ao ano em receita. E essa empresa singular é uma líder mundial no respectivo mercado.
Mostrando que a empresa segue o modelo lean em sua essência, Hamel diz:
A Morning Star é uma “positive deviant”; é, aliás, uma das empresas mais maravilhosamente atípicas que já encontrei. Ali, trabalhadores (“colegas”, no jargão da casa) têm uma autonomia absurda e mesmo assim trabalham juntos como membros de uma trupe de dança altamente coreografada. Ao esmiuçar princípios e práticas na base do modelo singular de gestão da empresa, podemos aprender como seria possível eludir — ou pelo menos reduzir — o ônus da gerência.
Ao dar liberdade com responsabilidade para quem está mais próximo da produção, empresas que estão rompendo com a velha escola de gerenciamento, já que sugestões de melhoria são incentivadas, catalizando assim o kaizen na corporação.

Mas como conseguir que cerca de 400 funcionários trabalhem de forma coordenada, sem um gerente com um chicote na mão? Hamel dá a receita da Morning Star:

Faça da missão o chefe. Todo funcionário da Morning Star é responsável por formular uma declaração pessoal de missão que descreva como irá contribuir para a meta da empresa de “produzir produtos à base de tomate e serviços que satisfaçam reiteradamente as expectativas de qualidade e serviço de nossos clientes”. Peguemos Rodney Regert, que trabalha na fábrica da empresa em Los Banos, Califórnia. A missão dele é transformar tomate em suco de um jeito altamente eficiente e ambientalmente responsável.

Declarações pessoais de missão são a pedra angular do modelo de gestão da Morning Star. “Você é responsável por cumprir sua missão e por obter treinamento, recursos e cooperação necessários ao cumprimento dessa missão”, explica Rufer. Paul Green Sr., um tarimbado técnico de produção, acrescenta: “Sou movido por minha missão e por meus compromissos, não por um gerente”.
Esse ponto promove a responsabilidade. Não é remover a gestão, mas sim transferi-la para um conceito, que se mostra mais sólido, já que um funcionário pode enganar um gerente, mas não a si mesmo e seus pares.

E Hamel continua:
Dê poder a todos — de verdade. Na maioria das empresas a realidade do “empowerment” está muito aquém do discurso. Não na Morning Star. Nick Kastle, especialista em desenvolvimento de negócios, faz uma comparação gritante entre a Morning Star e a companhia na qual estava antes: “Trabalhava numa empresa na qual me reportava a um VP que se reportava a um VP sênior que se reportava a um VP executivo. Aqui, a pessoa tem de dirigir o ônibus. Não dá para dizer a alguém: ‘Faça isso’.
É preciso fazer o que precisa ser feito”.
Quando o especialista faz essa distinção entre "empowerment" de discurso e de prática, demonstra, no parágrafo seguinte, o como isso fica claro no modelo no qual ele está inserido:
Isso inclui conseguir ferramentas e equipamentos necessários ao desempenho de suas funções. Na Morning Star, não há departamento central de compras ou um alto executivo para autorizar gastos; qualquer um pode emitir uma ordem de compra. Se um engenheiro de manutenção precisa de um soldador de US$ 8 mil, ele mesmo faz o pedido. Quando a fatura chega, confirma que recebeu o equipamento e manda a conta para o setor contábil pagar. Embora seja descentralizada, a compra não é descoordenada. Colegas da Morning Star que compram itens similares em grandes quantidades ou dos mesmos fornecedores se reúnem periodicamente para garantir que estejam maximizando seu poder de compra.
Outro ponto da fórmula de sucesso da empresa, segundo Hamel é não enfiar as pessoas em moldes, já que 
na Morning Star não há papéis centralmente definidos, todo funcionário tem a oportunidade de assumir responsabilidades maiores à medida que desenvolve suas habilidades e ganha experiência. “Acreditamos que cada um deve fazer o que é seu forte, por isso não tentamos encaixar ninguém numa função”, diz Paul Green Jr., que lidera iniciativas de capacitação e desenvolvimento da empresa. “Em virtude disso, nosso pessoal tem papéis mais amplos e complicados do que em outros lugares.”
Deixando claro a promoção do kaizen,
Toda pessoa tem o direito de sugerir melhoramentos em qualquer área.
Esse é um dos pontos chave de qualquer empresa que, de fato, é movida pela vontade de melhorar e fornecer "um valor" cada vez melhor para seus clientes. Estas empresas não são movidas pela vaidade de seus comandantes e muito menos pelo medo de perda de cargos. Para estas empresas fornecer um serviço/produto cada vez melhor é a base sólida de seu crescimento.

Outro ponto muito interessante do modelo da Morning Star é
Incentive a competição por impacto, não por promoções. Sem hierarquia e sem cargos, não há degraus a galgar na Morning Star. Não significa que todos sejam iguais. Em qualquer área de atuação, certos colegas são reconhecidos como mais competentes do que outros — e essa diferença se reflete em níveis de remuneração. Embora haja competição interna, a rivalidade é para saber quem contribui mais, não para ver quem ganha o melhor cargo. Para subir um trabalhador precisa dominar novas habilidades ou descobrir novas maneiras de servir os colegas. “Aqui, não há essa coisa de promoção”, diz Ron Caoua, especialista em TI. “O que melhora meu currículo é mais responsabilidade, não um cargo mais pomposo.”
Interpretei este ponto como o princípio de "competir contra a perfeição e não contra o concorrente" do Sistema Toyota de Produção. Este princípio no lean é justificado com, se você competir contra o seu concorrente, este será o seu teto. Como a perfeição é inalcansável, competindo contra ela, você elimina seu teto, seus limites.

Como é possível a contratação de pessoas que, normalmente, chegam do mercado acostumados com uma forma tradicional de gestão?
...Todo funcionário novo participa de um seminário sobre princípios básicos da autogestão. Ali, aprende que a responsabilidade é irmã gêmea da liberdade. Consulte quanta gente quiser, lhe dizem, mas no final assuma a responsabilidade por suas decisões. Ninguém tem a opção de se eximir de uma decisão difícil.

...Embora reduza custos de gestão, a organização da Morning Star tem, sim, inconvenientes. Primeiro, nem todo mundo combina com seu modelo — o que é menos questão de capacidade do que de aculturação. Um indivíduo que passou anos trabalhando numa organização altamente estratificada normalmente tem dificuldade para se ajustar. Rufer calcula que um novo funcionário leva, em média, um ano ou mais para se tornar plenamente funcional no ambiente da autogestão.

Isso agrega tempo e complexidade ao processo de contratação. Quando a empresa era menor, Rufer passava metade de um dia entrevistando cada potencial trabalhador, em geral na casa do candidato. O grosso da conversa era para avaliar se a filosofia da Morning Star e as expectativas do candidato casavam. Hoje, todo candidato recebe uma introdução de duas horas sobre a autogestão e é entrevistado por 10 a 12 colegas da Morning Star. Ainda assim, erros acontecem. Paul Green Jr. calcula que até 50% do pessoal experiente contratado saia no prazo de dois anos devido à dificuldade de se adaptar a um sistema no qual ninguém pode cantar de galo.
Mais uma vez a Morning Star acerta em cheio em dois pontos chaves: contratação e treinamento. No texto acima fica claro que estes dois processos são complexos, mas não impossíveis. E, ainda segundo declarações de pessoas da empresa, os benefícios superam as dificuldades.

Apesar do título da HBR, que me pareceu mais uma jogada de marketing que esforço para retratar o conteúdo deste ótimo artigo, não existe uma completa anarquia e uma perseguição aos gerentes mas, como Rufer sugeriu,
"Todo mundo aqui é gerente. Temos uma fartura de gerentes. O trabalho de gestão inclui planejar, organizar, dirigir, contratar e controlar - e todo mundo na Morning Star precisa fazer isso tudo.
Na minha visão, os pontos chaves que apareceram neste texto foram: liberdade, responsabilidade, transparência, distribuição da autoridade, treinamento e confiança.

Sem estes princípios, não tem como existir a gestão coletiva. Endosso ainda que o ponto central do modelo apresentado por Hamel não é eliminar gerentes ou líderes, mas promover um ambiente onde eles possam emergir do time, onde este líder possa ser um líder de fato e não apenas de direito. Direito esse obtido, algumas vezes, sem quaisquer méritos.

Mais detalhes podem ser verificados no artigo completo.

Um comentário:

  1. Como era esperado, este post levantou algumas discussões ao vivo e pelo gtalk.

    Não me expressei bem quando disse "Lean no estado da arte". Na verdade, não me expressei por completo.

    No artigo do Hamel, não fica claro que outros princípios básicos do Lean foram aplicados. NA MINHA VISÃO, se conseguiram implementar um modelo que potencializa o kaizen de uma forma tão eficiente, dando liberdade, responsabilidade e até um certo nível de autoridade para os times, fica implícito, para mim, que outros princípios do Lean, ainda mais básicos, como análise da cadeia de valor, já são aplicados com maestria.

    O case da Morning é extremamente interessante e nos mostra que o Lean não é uma utopia de um japonês louco do século passado.

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